88 anos após Américo Jacomino: O ‘Rei do Violão Brasileiro’


Primeiro violonista brasileiro a dar ao violão lugar de destaque nos teatros, apresentando-se como um profissional do instrumento, Canhoto foi fundamental para o desenvolvimento do estudo do violão no Brasil

Leonor Bianchi

A Revista do Choro relembra hoje os 88 anos da passagem de Américo Jacomino (SP – 2/ 02/ 1889 – 7/ 09/ 1828). Canhoto, como foi apelidado por ser canhoto e tocar o violão sem mudar, alterar as cordas de posição no instrumento, é uma das personagens mais importantes da história do violão brasileiro.

Filho de Crescêncio Jacomino e Vicencia Carpello, imigrantes italianos de Nápolis, radicados em São Paulo, Américo Jacomino apaixonou-se pelo violão vendo Ernesto, seu irmão mais velho, tocar. Como o pai o proibia de aprender música, teve que estudar escondido e sua escola fora a observação do irmão, que além de violão lhe deu aulas também de bandolim. Pelo fato de ser autodidata e canhoto, aprendeu a tocar violão de ‘maneira canhota’, mas sem inverter as cordas; o que lhe deu o apelido de Canhoto.

O Rei do Violão Brasileiro, como foi chamado pela imprensa após receber o prêmio homônimo no concurso ‘O que é nosso’, primeira grande premiação para violão promovida no Brasil, faleceu cedo, aos 39 anos, com o coração romântico, repleto da memória das canções italianas que ouvira dos pais durante a infância e que muito o influenciaram em suas composições. Considerado um compositor da escola Romântica, desconhecia leitura musical. Gravou mais de 90 músicas, as quais são consideradas obras clássicas do gênero, que por algumas décadas após sua morte ainda seria seguido por inúmeros violonistas-compositores.

americo jacomino

A importância de Canhoto para a profissionalização do violonista no Brasil

Canhoto foi o primeiro violonista-concertista brasileiro e o primeiro a dar o caráter profissional à carreira de violonista no país. Contudo, antes disso, trabalhou como ilustrador, jornaleiro, e com ‘bicos’ pontuais, longe da música, conseguiu juntar dinheiro para comprar seu primeiro violão.

Em 1904, Canhoto faria sua primeira apresentação pública vez. Nessa época, o violonista conheceu um cantor que seria seu parceiro musical por toda sua vida; o Paraguaçu (Roque Ricciardi).   

O início da carreira como violonista

Em 1907 Canhoto começou a fazer seus primeiros recitais, no interior de São Paulo, em Ribeirão Preto. Desde então sua fama e sucesso só aumentaram, ganhando o compositor e violinista cada vez mais a admiração do público dos salões, serenatas, e teatros da sociedade paulistana. Além de compor para violão, Canhoto compunha também para piano e orquestra, e também tocava cavaquinho e bandolim.

Tocando seu violão solo e com o conjunto formado por ele, ‘O Grupo do Canhoto’, que não era um regional de choro propriamente, tendia mais ao repertório seresteiro, em 1912, gravou seu primeiro trabalho com a Odeon.

O fim do preconceito contra o violão no ambiente erudito

Anos antes de em 1953, Garoto, Aníbal Augusto Sardinha, causar furor apresentando-se com seu violão no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, levando o instrumento popular para o ambiente de concerto, em setembro de 1916, Canhoto realizou seu primeiro grande recital com um violão no salão nobre do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. Também pelo fato de ter sido realizado em um dos principais palcos da música erudita paulistana, o musicólogo Paulo Castagna chegou a comparar, em um de seus textos, o recital aos concertos dos violonistas Augustin Barrios (Paraguaio) e Josefina Robledo (Espanha). Após sua apresentação no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, o violão ganharia cena no ambiente erudito, e Canhoto conquistaria a elite paulistana com sua música. Isso fez com que o preconceito que impossibilitava o estudo do violão no Brasil fosse paulatinamente acabando e a instrumento pudesse evoluir sua linguagem em terras brasileiras.

Seu prestígio artístico fez dele um respeitável instrumentista e iminente professor. Deu aulas, por exemplo, para a filha do governador de São Paulo, à época, Carlos Campos, e também para a filha de Júlio Prestes.

Um jovem compositor

Sua valsa ‘Abismos de Rosas’, gravada em 1925 e lançada em 1926, faz parte do cancioneiro brasileiro e certamente é sua composição mais conhecida e interpretada através dos tempos pelas últimas sete gerações de chorões que conhecemos hoje.

A história que o pesquisador Segundo Jairo Severiano conta é a de que Canhoto teria composto a música depois de sofrer uma decepção amorosa, quando tinha apenas 16 anos, em 1905. ‘Abismos de Rosas’ foi gravada anteriormente pelo compositor, em 1916, com o nome de “Acordes do Violão”. Composições de grande sucesso também foram “Nhá Maruca foi s’embora”(1918) e “Triste Carnaval” em parceria com Arlindo Real (1922), Marcha Triunfal Brasileira, Delírios, Alvorada de Estrelas, A Menina do Sorriso Triste, Guitarra de mi Tierra, Tempo Antigo.

A década de 1920 foi de muito trabalho e fama para o violonista, que chegou a comandar, em 1927, o programa ‘Noites Brasileiras’ em dois teatros de São Paulo: Boa Vista e Municipal. Neste último, Canhoto se apresentava com o ‘Os Turunas Paulistas’ com um grupo formado por ele em que tocavam quatro violonistas, um flautista, um saxofonista, dois cavaquinistas, e percussionistas com reco-reco, maracaxá e pandeiro.

A imortalidade da obra

Como ressalta o pesquisador, biógrafo de Canhoto, Gilson Antunes no verbete sobre o violonista publicado no site Acervo Digital do Violão Brasileiro:

“Canhoto foi o iniciador definitivo da profissão de concertista no país, ao tocar, portar-se e apresentar-se como violonista profissional em várias localidades brasileiras. Gravou – solo, com seu grupo ou acompanhando cantores – mais discos do que todos os outros violonistas seus contemporâneos, até a data de sua morte. Inspirou diversos violonistas-compositores, desde Mozart Bicalho, Dilermando Reis e Garoto até Baden Powell, Geraldo Ribeiro e Vitor Garbelotto”.

Em 2003, Gilson Antunes lançou um CD interpretando obras de Canhoto, baseando-se nas gravações originais do compositor. É famosa a faixa 16 do álbum onde Gilson toca com um dos violão Gianinni, fabricado em 1917, com cordas de tripa, que pertenceu a Canhoto.

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Author: imprensabr