Pixinguinha: o aniversariante da semana


Leonor Bianchi

A menos de um mês de completar 22 anos, Alfredo da Rocha Vianna Júnior (23/ 04/ 1897 – 17/ 02/ 1973), o nosso Pizindim, se apresentou pela primeira vez com os Oito Batutas, em 7 de abril de 1919, no Rio de Janeiro. Data, que, inclusive, completou 100 anos este mês.

Carteira de sócio da  Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Música (SBCEM).

Carteira de sócio da Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Música (SBCEM).

Aos 25 anos, o compositor de Carinhoso, muito antes de fazer esta música, conheceu Paris e o jazz, e excursionou por diversas regiões do Brasil. Aos 26, durante uma turnê pela Argentina conheceu a competitividade entre músicos quando da briga com os amigos do grupo, que culminou com o término d’Os Oito Batutas, que voltaria mais tarde sob o nome de Bi-Orquestra Oito Batutas, mas não com os integrantes da formação original, dispersos por um desentendimento gerado por uma quebra de contrato cometida pelo empresário que havia contratado o grupo para se apresentar em Buenos Aires. Aos 27, Pixinguinha era um dos maiores compositores de choro e arranjadores brasileiros, e dialogava de forma bastante singular com os ‘ritmos formadores’ do jazz, influenciando com estes a música popular brasileira.

Pixinguinha: curta-metragem de Luiz Caros Horta

No próximo dia 23 acendemos mais uma velinha para celebrar a memória do nosso maestro Pixinguinha, que embora partisse o bolo nesta data, tem na certidão o dia 4 de maio de 1897 como o verdadeiro dia do seu nascimento.

Só mesmo Pixinguinha para ter duas datas de nascimento, duas festas de aniversário… e uma eternidade para ser exaltado e lembrado por todos nós pela obra que construiu.

Ninguém ‘Segura Ele’! O ‘Pai do Choro Moderno’! O ícone da generosidade chorona! O santo de todos os músicos brasileiros!

Pixinguinha
Compositor de uma obra musical extensa, Pixinguinha transitou por gêneros, como a valsa, a polca, o maxixe, o samba, mas foi no choro que melhor expressou sua arte. Não à toa o dia do seu aniversário, 23 de Abril, é o Dia Nacional do Choro.

A obra do compositor, uma das mais importantes matrizes da música popular brasileira, ao introduzir elementos da música afro-brasileira e da música rural nos arranjos dos chorões, contribuiu para diversificar o gênero com um matiz particularmente brasileiro. É o caso da composição Os Oito Batutas, gravada em 1919. Posteriormente, esse título deu nome ao primeiro conjunto de música popular a conquistar fama nacional e internacional, que teve em sua formação inicial Pixinguinha (flauta), China (canto, violão e piano), Donga (violão), Raul Palmieri (violão), Nelson Alves (cavaquinho), José Alves (bandolim e ganzá), Jacó Palmieri (pandeiro) e Luís de Oliveira (bandola e reco-reco). Aliás, a brasilidade da música de Pixinguinha, somada à descendência afro-brasileira dos integrantes do Oito Batutas, é questionada por parte da imprensa e críticos, que com um discurso de cunho eurocêntrico e racista desqualificam a música nacional. A exemplo da ida de Pixinguinha e o conjunto Oito Batutas a Paris em 1922, jornais e revistas fazem a crítica admitindo que esses artistas representam um Brasil negro, atrasado e inferior. Mas há apontamentos a favor que enaltecem a qualidade dos músicos e a originalidade das composições.

O conjunto surge do convite feito a Pixinguinha e Donga por Isaac Frankel, proprietário do cine Palais, localizado no centro elegante da belle époque carioca, para formar uma pequena orquestra para a sala de espera do cinema. O repertório de maxixes, canções sertanejas, batuques, cateretês e choros inova, pois, as orquestras de cinema, até então, apresentam a chamada música fina: valsas vienenses e tangos. Anunciado como a única orquestra que fala alto ao coração brasileiro, Oito Batutas se torna a atração da casa. Entre 1919 e 1921, financiado pelo milionário carioca Arnaldo Guinle, com a supervisão do maestro Heitor Villa-Lobos (1887-1959), excursiona por diversas capitais do Brasil, cabendo a Pixinguinha pesquisar o folclore musical desses lugares. Isso se explica num contexto de intenso debate sobre a identidade nacional. A turnê celebra o sucesso do grupo entre o público brasileiro e repete o êxito, quando, em 1922, se apresenta no elegante Dancing Shéhérazade de Paris. “Les Batutas” são aplaudidos com entusiasmo pelo público francês.

 

Formação original dos Oito Batutas: Em pé: Jacob Palmieri, José Alves Lima, Luiz Pinto da Silva e Pixinguinha. Sentados: Donga, Nelson Alves, Raul Palmieri e China. Acervo Sandor Boys.

Formação original dos Oito Batutas: Em pé: Jacob Palmieri, José Alves Lima, Luiz Pinto da Silva e Pixinguinha. Sentados: Donga, Nelson Alves, Raul Palmieri e China.
Acervo Sandor Boys.

 

No fim dos anos 1920, a crítica faz uma série de restrições estéticas a duas composições de Pixinguinha. Nesse momento, não é o que elas contêm de brasilidade; mas sim de inovação. Os choros “Lamento” e “Carinhoso” são feitos em duas partes, em vez de três, fato interpretado como uma inaceitável influência do jazz. É certo que o jazz inspira o compositor. Pixinguinha entra em contado direto com essa musicalidade em Paris, por meio dos shows das jazz-bands americanas a que assiste nas casas de espetáculos da capital francesa. Não por acaso, na volta ao Brasil, em agosto de 1922, grava dois foxtrotes: Ipiranga e Dançando, ambos de sua autoria. Em 1923, Oito Batutas se recompõe com o nome de Bi-Orquestra os Batutas. Na avaliação do compositor, que, além de flautista, passa a integrar o conjunto como saxofonista, a mudança propõe um estilo mais identificado com os novos tempos, ou seja, o jazz. De fato, tanto os arranjos quanto o timbre do sax dão uma coloração mais moderna à sonoridade do grupo. O que não quer dizer a vulgarização de sua brasilidade. Pixinguinha troca definitivamente a flauta pelo saxofone, em 1942.  Nesse ano, faz sua última gravação como flautista, num disco com dois choros de sua autoria: “Chorei” e “Os Cinco Companheiros”. A nova fase de Pixinguinha inclui dezenas de registros em disco com o flautista Benedito Lacerda. A dupla corresponde a um momento singular do choro. Nessas gravações, a criatividade de Pixinguinha destaca-se nos contrapontos que ele desenvolve no sax tenor, como resposta às melodias executadas na flauta por Lacerda.

A formação de Pixinguinha inclui amplo acesso ao universo da música erudita, bem como ao conhecimento do código formal da linguagem musical. Disso resulta a qualidade artística de seu trabalho como orquestrador. Num primeiro momento, ele faz arranjos para o teatro de revista, e, a partir de 1928, logo após a implantação da gravação elétrica no Brasil, para a indústria do disco, sobretudo para o selo Odeon. As partituras de Pixinguinha inovam, no desenho harmônico, melódico ou rítmico, há uma marca de brasilidade formatado em seus arranjos. Até então, os arranjadores seguem a escola italiana. O estilo de Pixinguinha, tributário do contexto sociocultural de sua trajetória, tem contribuição importante em determinada forma de orquestração, que, em síntese, vai configurar a música popular brasileira da primeira metade do século XX.

Alfredo da Rocha Vianna Filho, “Pixinguinha” foi instrumentista, compositor, orquestrador e maestro. Caçula, entre doze irmãos, aos 11 anos, aprendeu a tocar cavaquinho, mas sua arte se manifestou mesmo foi na flauta e no saxofone. Sua infância foi em num ambiente artístico; o pai era hábil flautista, os irmãos também eram músicos, e na Pensão Vianna, do pai de Pixinguinha, saraus e rodas de choro eram frequentes.

 

Pixinguinha, à direita da foto, criancinha, já com um cavaquinho nas mãos!

Pixinguinha, à direita da foto, criancinha, já com um cavaquinho nas mãos!

 

Para os músicos populares do seu tempo, ler partituras era algo pouco comum, mas Pixinguinha sabia, pois sua formação musical incluiu o estudo formal da música. Cursou teoria musical no Instituto Nacional de Música e foi professor de música da prefeitura do Rio de Janeiro, na década de 1930, lecionando em várias escolas da cidade.

Seus maiores parceiros musicais ele conheceu no terreiro da Tia Ciata, na região da Pequena África, no centro do Rio de Janeiro. Lá conviveu com João da Baiana (1887 – 1974)Donga (1890 – 1974)Sinhô (1888 – 1930), Caninha e Heitor dos Prazeres (1898 – 1966), intelectuais como João do Rio (1881 – 1921)Manuel Bandeira (1886 – 1968) e Francisco Guimarães. A Pequena África foi um dos lugares de gestação do samba no Rio de Janeiro, no início do século XX. “Pelo Telefone” (Donga e Mauro de Almeida), reconhecido oficialmente como o primeiro samba a ser gravado, em 1917, tem o endereço de origem nas rodas musicais da casa da baiana tia Ciata.

Por volta dos 14 anos, Pixinguinha passou a integrar a orquestra do rancho carnavalesco Filhas da Jardineira, onde conheceu Donga e João da Baiana, parceiros importantes em toda sua trajetória. Tocou em diversos cabarés da Lapa e na orquestra do Cine-Teatro Rio Branco.

Em 1914, editou sua primeira composição: Dominante.neste ano passou a fazer parte do Grupo do Caxangá, liderado pelo violonista João Pernambuco. Nesse momento, é reconhecido como talentoso compositor e flautista, genial em sua criatividade e interpretação. Duas composições suas, o choro “Sofres porque Queres” e a valsa “Rosa”, são gravadas pelo grupo Choro do Pixinguinha em 1917. Em 1919 estreia com os Oito Batutas e excursiona pelo Brasil com o grupo, que em 1922 viajaria para uma temporada de seis meses em Paris, e ainda neste ano, para em Buenos Aires.

Nos anos de 1920, Pixinguinha compões e fez muitos arranjos para o teatro de revista, a exemplo da peça Tudo Preto, produzida por João Cândido Ferreira e encenada pela Companhia Negra de Revista no Rio de Janeiro. A peça, reeditada em setembro de 1926 com o nome Preto no Branco, contava no elenco com a participação do então jovem ator Grande Otelo, o nosso eterno Sebastião Prata. Além dos arranjos para o teatro, Pixinguinha trabalha como orquestrador na indústria fonográfica. Grava diversos discos como instrumentista e várias músicas de sua autoria na década de 1930. Em 1937, duas composições suas tornam-se grande sucesso de público na voz de Orlando Silva – “Rosa” (letra de Otávio de Souza) e “Carinhoso”(composto em 1917 e gravado pela primeira vez em 1928 pela Orquestra Típica Pixinguinha-Donga com letra de João de Barro). Musicas que seriam gravadas tanto pelos intérpretes da velha guarda quanto pelos mais contemporâneos.

 

Pixinguinha na Rádio Mayrink Veiga regendo a orquestra da emissora. Revista Fon Fon, 1 de outubro de 1938.

Pixinguinha na Rádio Mayrink Veiga regendo a orquestra da emissora. Revista Fon Fon, 1 de outubro de 1938.

 

Nos anos de 1940 Pixinguinha passou a tocar apenas saxofone, e com o instrumento fez dezenas de choros de sucesso ao lado do flautista Benedito Lacerda. Foi neste período, que começou a participar do programa O Pessoal da Velha Guarda, do radialista Almirante, Henrique Forés Domingues, sucesso na Rádio Tupi entre 1947 e 1952. Lança seu primeiro LP, o disco “Carnaval da Velha Guarda”, em 1955, com a participação de seus músicos e de Almirante. Três anos depois, o grupo Velha Guarda é escolhido para recepcionar os jogadores brasileiros vitoriosos na Copa do Mundo, conquistada na Suécia. Pixinguinha também feztrilha musical para o cinema nacional. Foi na primeira metade dos anos 60, quando criou a trilha sonora do filme Sol sobre a Lama, de Alex Viany (1918-1992), lançado em 1963. A trilha também teve seis composições com letra escrita pelo poetinha Vinicius de Moraes (1913-1980), entre elas, “Lamentos, de Pixinguinha, que depois, com letra passou a ficar no singular, ‘Lamento’, (1928) e “Mundo Melhor”.

O dia em que Pixinguinha se foi

Tão poética quanto sua biografia foi o dia da morte de Pixinguinha, 17 de fevereiro de 1973. Como quem tivesse pressentindo algo no ar ou recebido um recado soprado no ouvido pelo anjo da guarda do menino Pizindim, Hermínio Belo de Carvalho, amigo de velha data, e o fotógrafo Walter Firmo, autor de uma das fotografias mais conhecidas do músico, foram à casa de Pixinguinha no dia em que ele morreu.

Por conta do estado de saúde de Pixinguinha, que não era dos melhores, Walter não quis levar equipamento fotográfico para justamente não registrar o que o tempo não deixou marcado nos traços do maestro. Com o passar do tempo, o fotógrafo revelaria ao biógrafo de Pixinguinha, Sérgio Cabral, que se arrependera amargamente do fato. Walter contou ao se despedir do Pixinguinha, o gesto do músico na janela de sua casa foi “a foto que não fez”.

No dia em que Pixinguinha morreu, sairia pela primeira vez a Banda de Ipanema. Sairia e saiu com uma linda homenagem ao maestro. Pixinguinha morreu durante o batizado de um de seus tantos afilhados, acometido por um infarto, na igreja de Nossa Senhora da Paz, em Ipanema.

Naquele instante, caía um temporal sobre Ipanema. Albino Pinheiro, que comandava a orquestra da Banda de Ipanema, foi avisado que Pixinguinha havia acabado de morrer dentro da igreja! E, sua atitude foi, ao invés de cancelar o desfile, dar sequencia à saída do bloco sem falar absolutamente nada com ninguém. a banda de Ipanema saiu, passou em frente à igreja onde Pixinguinha acabara de falecer, num sábado de Carnaval… Morto sob estas condições aos 75 anos não à toca o chamamos de Santo. Salve nosso São Pixinguinha!

 

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Author: imprensabr