Instituto Waldir Azevedo será inaugurado em Conservatória no dia em que o mestre do cavaquinho faria 94 anos


Por Leonor Bianchi

No universo da música popular brasileira e do choro é inegável o enorme sucesso e a genialidade do compositor e cavaquinista Waldir Azevedo (RJ/ 27 de janeiro de 1923 – SP/ 20 de setembro de 1980). Fenômeno de vendas, ele compôs clássicos, como ‘Brasileirinho’, ‘Minhas mãos, meu cavaquinho’, ‘Carioquinha’, ‘Vê se gostas’, ‘Camundongo’, ‘Flor do Cerrado’ ‘ ‘Delicado’, esta última – um baião -, ganhou inúmeras gravações em diferentes países, virou um sucesso fenomenal e até nome de chocolate e balas.

Embalagem de um chocolate francês chamado 'Delicado' que faz menção à musica de Waldir Azevedo

Embalagem de um chocolate francês chamado ‘Delicado’ que faz menção à musica de Waldir Azevedo

A industria de balas Sugus pegou carona na fama e sucesso de Waldir Azevedo e fez as balas 'Delicado'

A industria de balas Sugus pegou carona na fama e sucesso de Waldir Azevedo e fez as balas ‘Delicado’

Este mês, no dia 27, quando Waldir Azevedo faria 94 anos, será inaugurado no Rio de Janeiro, em Conservatória –‘Cidade da Seresta’ -, o Instituto Waldir Azevedo. Segundo o cavaquinista e pesquisador da obra de Waldir – um dos pilares da criação do Instituto -, e agora presidente da entidade, Ronaldinho do Cavaquinho, a ideia de fundar um espaço para abrigar ‘a memória’ de Waldir Azevedo nasceu antes mesmo de ser pensar em criar uma entidade jurídica para abrigar e divulgar o acervo do cavaquinista. O fato inicial que marcou a criação do Instituto aconteceu em 2007 quando a viúva de Wadir Azevedo, Olinda Azevedo – falecida em 2011 -, escutou um CD do Ronaldinho do Cavaquinho num consultório médico. Gostando muito do que ouviu, ela quis conhecer pessoalmente o cavaquinista que tocava e foi em busca de seus contatos. Conheceram-se logo depois.

waldir radio record IMS

Waldir Azevedo na Rádio Record (Acervo IMS)

“Daquele dia em diante a amizade entre nossas famílias foi ficando forte e ela decidiu doar para mim algumas peças do acervo do Waldir. Com seu falecimento, sua filha, Marly Azevedo, começou a separar outras peças do pai e também objetos da família para que ficassem comigo. Em 2013 tivemos a oportunidade de criar um local destinado à exposição e divulgação desse material e da memória do Waldir. A ideia de ter um local para expor esses objetos começou quando eu vi que tinha em mãos peças da história de um dos mais importantes chorões em minha casa, sem o acesso do público; ficando restrito ao acesso de familiares. E finalmente, a ideia do formato denominado como Instituto surgiu em 2013”, conta o presidente do Instituto Waldir Azevedo, Ronaldinho do Cavaquinho.

Ronaldinho do Cavaquinho segurando um dos cavacos que pertenceu a Waldir Azevedo e que fará parte do acervo do Instituto, diante da tela 'Minhas mãos, meu cavaquinho', da artista plástica Cléa Maia Novelino (Foto:  Mazé Mix)

Ronaldinho do Cavaquinho segurando um dos cavacos que pertenceu a Waldir Azevedo e que fará parte do acervo do Instituto, diante da tela ‘Minhas mãos, meu cavaquinho’, da artista plástica Cléa Maia Novelino (Foto: Mazé Mixo)

Acervo conta com áudios, fotos, partituras, documentos e objetos pessoais

Das muitas peças que integram o acervo do Instituto Waldir Azevedo a de maior valor documental e histórico, segundo Ronaldinho do Cavaquinho, é a tela ‘Minhas mãos, meu cavaquinho”’, da artista plástica Cléa Maia Novelino, e, sentimentalmente, a cadeira de balanço onde ele passou grande parte de seu tempo após o falecimento de sua filha Miriam.

O acervo conta ainda com: Estojos de três cavaquinhos; a cristaleira onde Waldir Azevedo guardava seus objetos; uma de suas palhetas; objetos pessoais; objetos de família, como peças de casamento e peças que pertenceram aos seus pais; partitura de uma valsa ainda inédita para o grande público (‘Bonequinha’, feita em homenagem a sua mãe); discos 78 rpm e vinis; o baú onde o compositor guardava seus discos; um equipamento de som; fotos; matérias de jornais; pequenos móveis, entre outros objetos.

abajur 2 waldir azevedo cristaleira waldir azevedo tela waldir azevedo instituto

Parte do acervo de Waldir Azevedo está guardada no Museu de Imagem e do Som do Rio de Janeiro, onde também está um de seus cavaquinhos.

Ronaldinho do Cavaquinho tem a guarda de uma guitarra e um cavaco que pertenceram a Waldir Azevedo. De acordo com ele, ambos os instrumentos serão integrados ao acervo do Instituto e ficarão expostos ao público.

Sobre os cavacos que pertenceram a Waldir Azevedo, recentemente fizemos uma matéria contando a trajetória de um grande seguidor e amigo de Waldir Azevedo, o cavaquinista pelotense Avendano Júnior, a quem a viúva de Waldir, D. Olinda, presenteou com um dos cavacos do marido depois dele ter falecido. Em 2012 Avendano faleceu e o cavaquinho ficou para sua família. Leia mais neste link.

Conservatória, a ‘Cidade da Seresta’ foi escolhida pela esposa do cavaquinista para sediar o Instituto

Conhecida em todo o Brasil e até fora do país, a cidadezinha do interior do Rio de Janeiro conhecida como Terra da Seresta, Conservatória, foi o local escolhido pela companheira de toda vida do cavaquinista Waldir Azevedo, Olinda, para abrigar o Instituto.

conservatoria 3

“Escolhemos Conservatória pela ligação que tenho com a cidade, desde 1991, e por ser vontade de D. Olinda. Esta, quando visitou a cidade, em 2008, ficou encantada e disse que gostaria de ter um espaço para o Waldir naquele lugar. A fundação do Instituto contou efetivamente com a participação da filha do Waldir, Marly Azevedo, que nos concedeu os direitos de utilizarmos o nome, imagem e voz de seu pai para divulgação de suas obras e do choro como um todo”, conta Ronaldinho.

Inauguração terá apresentação de Ronaldinho do Cavaquinho e Déo Rian

O Instituto funcionará num espaço construído especificamente para esse fim; um salão sem colunas com aproximadamente 300 m2 onde também funcionará futuramente um núcleo de ensino de música, sobretudo, de choro e cavaco. A visitação terá entrada franca, de sexta a domingo. Quando o espaço abrigar algum evento, haverá bilheteria.

Durante a inauguração, no dia 27, haverá apresentação de duas músicas: ‘Pedacinhos do céu’ (de Waldir Azevedo) e ‘Ave Maria’, e uma apresentação de Ronaldinho do Cavaquinho com o consagrado bandolinista Déo Rian e outros chorões.  

No sábado o espaço será aberto ao público, às 11h00 haverá uma grande roda de choro com os músicos presentes. 

O fenômeno Waldir Azevedo

De família pobre, Waldir Azevedo nasceu em Piedade, subúrbio carioca. A música entraria logo cedo em sua vida, aos sete anos, quando, já querendo aprender a tocar flauta, comprou um instrumento amador com o dinheiro que juntou capturando e vendendo passarinhos.

Conta-se que ele fez sua primeira apresentação musical pública aos 10 anos, no Jardim do Méier, bairro central da região do subúrbio carioca. A ocasião fora o Carnaval de 1933, e Waldir tocou com sua flautinha a música ‘Trem blindado’, de João de Barros.

waldir azevedo criança

O jovem Waldir Azevedo

Da flauta, influenciado por amigos músicos na adolescência, passou para o bandolim. Do bandolim, foi para o violão tenor. Cavaquinho surgira somente mais tarde, quando ele menos esperava e de forma absolutamente inusitada.

A história musical de Waldir Azevedo é repleta de fatos interessantes, que começam com a composição de uma de suas músicas mais famosas; ‘Brasileirinho’, cuja primeira parte foi inteiramente executada na única corda de um cavaquinho de brinquedo depois da insistência do primo de sua esposa, Dioclécio, que pediu a Waldir que tocasse qualquer coisa. Essa história é clássica! Waldir, então, tendo apenas a opção de uma corda, tocou-a, pressionando-a de lá pra cá e de cá pra lá no pequeno espaço do braço do cavaquinho. Nascia ai a música que, a princípio chamava-se ‘Um brasileirinho’, em homenagem a Dioclécio. Gravada em 1949, virou sucesso imediato nas rádios de todo o Brasil.

Outro episódio que marcou o início de sua carreira musical também é deveras curioso. Na época, funcionário da Light, estava Waldir Azevedo em plena lua de mel com sua esposa Olinda, em Miguel Pereira, cidade serrana agradável no interior do Rio de Janeiro, quando um amigo telefonou para o hotel onde ele se hospedava avisando que, no dia seguinte, haveria um teste para ser cavaquinista no famoso regional de Dilermando Reis, que nesta época estava na Rádio Clube do Brasil. Waldir tocava violão tenor e nunca havia segurado um cavaquinho. Porém, como o salário oferecido pela rádio era duas vezes o valor que recebia no emprego que tinha, viu-se tentado a interromper a viagem de núpcias e foi fazer o teste, deixando Olinda, que ficou aproveitando a lua de mel mesmo sem o marido. Determinado a ganhar o concurso, Waldir conseguiu um cavaquinho emprestado e estudou como nunca antes. O resultado todos conhecem: a vaga foi sua.

Em 30 anos de carreira, Waldir Azevedo compôs e gravou mais de 130 músicas, todas sempre com muito sucesso. A perda precoce da filha mais velha e um acidente caseiro que lhe decepou parte do dedo anelar da mão esquerda, mas retomadas para nossa alegria e sorte.

Viveu fatos tristes, como a morte da filha Miriam, aos 18 anos, em 1964, o que o afastou dos palcos e dos estúdios por quase quatro anos. Em 1971, Waldir e a esposa mudaram-se do Rio para Brasília. Lá, durante o manuseio de um cortador de grama, enquanto cuidava do jardim de sua casa, Waldir decepou seu dedo anular; outro momento onde se viu obrigado a interromper sua carreira  musical.

Uma linguagem própria para cavaquinho

Para Marco Bernardo, pianista, professor e biógrafo de Waldir Azevedo, autor de “Waldir Azevedo, um Cavaquinho na História” (Irmãos Vitale, 2004):

“Waldir foi o responsável em desenvolver uma linguagem própria ao cavaquinho, extraindo do que ele chamava espirituosamente de “um pedacinho de madeira e quatro arames esticados” os mais insuspeitados efeitos e uma sonoridade incomum, ao mesmo tempo sutil e grandiosa, levando às últimas consequências as possibilidades técnicas de um instrumento outrora apagado e relegado a um humilde plano de acompanhador em conjuntos regionais, tornando-o um solista protagonista não só nesses conjuntos, como também em grandes orquestras.

Através de Waldir, o cavaquinho viu-se imbuído da nobreza e, paradoxalmente, da grandiosidade que o colocou no mesmo plano de outros instrumentos chorões, como o bandolim, a flauta e o clarinete, outorgando-lhe o reconhecimento não só por parte dos músicos, mas também de plateias exigentes dentro e fora do Brasil.

Como se não bastasse ser uma unanimidade como instrumentista, Waldir é o compositor de cerca de uma centena e meia de obras da maior relevância no repertório do choro, mesclando como ninguém virtuosidade e simplicidade amparadas numa liberdade harmônica que as tornaram instantaneamente impactantes. Destas, destacam-se três megassucessos em nível nacional e internacional, lançados no curto intervalo de três anos e apenas cinco lançamentos em 78rpm, o formato de áudio então em voga e tetravô do nosso conhecido mp3: os choros Brasileirinho e Pedacinhos do Céu, e o baião Delicado”, destaca o biógrafo.

O biógrafo de Waldir Azevedo, Marco Bernardo (Foto: Otávio Dias)

O biógrafo de Waldir Azevedo, Marco Bernardo (Foto: Otávio Dias)

Marco Bernardo acredita que através do Instituto a memória de Waldir Azevedo continuará sendo reverenciada pelas próximas gerações.

“No limiar de 2017, 36 anos após sua morte, Waldir é cultuado por uma legião de músicos e fãs, em shows e gravações. Qualquer músico de cavaquinho que se preze há de invariavelmente receber a sua influência, inspirando-se em seu modelo ou, no mínimo, incursionando no instrumento através de uma de suas composições.

Waldir não só fez a história do cavaquinho como é a história de cavaquinho. Seu legado é modelo para as novas e futuras gerações, corroborando para com o que a nossa Música Popular tem de melhor.

Figura artística e humana singular, simples até, Waldir foi um pai devotado e um marido extremoso, além de ser querido e admirado por parentes, amigos e colegas. Ser verdadeiramente iluminado, a intimidade com o sucesso jamais o mascarou”, considera Bernardo.

imprensabr
Author: imprensabr