Quando partiram do Rio, quase todos os jornaes do Rio fizeram referencias dizendo que um grupo de “negros” ia representar o Brasil no estrangeiro.
“A Noite”, do Rio, foi um dos jornaes que tomaram a defesa dos nossos artistas e agora viram que acertaram pois “Os Oito batutas” estão revolucionando a alta sociedade parisiense.
De uma carta do jornalista brasileiro A. Floresta Miranda, dirigida àquelle vespertino.
Paris, 24 de fevereiro de 1922. – A propósito do extracto do jornal “O Pais”, que me foi enviado dahi e que junto a esta, onde um Sr. Leon Paranda de Barbacena censura a A Noite por ter annunciado “a son de trompe” a partida dos “Oito batutas”, permitta-me que vos dirija esta carta.
Se de facto A Noite publicou que esse conjunto de músicos partira em embaixada, foi naturalmente victima de alguma informação errônea, que em nada a desabona. Os ‘Batutas” vieram a Paris por iniciativa exclusivamente particular, garantidos por excellente contracto para se exhibirem em um “dancing” ou “dansange” (corruptela francesa) denominado “Shéhérazade” actualmente sob a direcção de Duque.
O facto de serem elles pretos não tem significação pejorativa para os brasileiros. As grandes orchestras de paris (refiro-me a orchestra para dansa) são os “jazz-band” de pretos norte-americanos e não me consta que a grande republica soffra com isso algum eclipse. Demais, a rança também possue homens de cor, milhares dos quais deram o sangue em defesa da Pátria, durante a guerra,o que vae lhes valer um monumento “in memoriam”. Donde se conclue que preto também é gente… e preta tem sido muita gente boa.
Passemos adeante. Os “Batutas” não se apresentam aqui como expoentes da arte musical brasileira (o que seria ridículo) e sim como especialistas e introductores do nosso “samba” que já vae obtendo enorme aceitação. Ao par disso, possuem elles no seu grupo (digo grande sem receio algum) flautista, o Alfredo Vianna, ou “Pixinguinha”, como é mais conhecido ahi. Recordo-me que Francel ao ouvi-lo pela primeira vez, declarou-me não conhecer flautista de maior valor, chamando-me attenção para a perfeição do “son souffle”!
Ainda hoje a “Shehérazade”, jantando em companhia de M. Gustave de kerguézec, senador, presidente da comissão de marinha, o prof. Kochard, celebre cirurgião francez, Mme. Henry Biachon, senhora da mais alta sociedade parisiense, (cito os nomes propositalmente, para mostrar de quem se trata), tive a occasião de ouvir do senador de kerguézec os maiores elogios ao conjunto dos sete, especialmente ao “Pixinguinha”, para quem elle teve esta phrase: “Cest um flutiste d’une virtuosise epatante”. Mostra a prova de sua sinceridade, o facto delle pretender convidar Mr. Rochet, director de “L’Opera” para também ouvi-lo. Além disso ficou logo combinado um almoço em casa de Mme. Bianchon, para que se pudesse apreciar os “Batutas”.
Jornal do Recife, 3a feira, 11 de abril de 1922.
Este conteúdo integra o livro Pixinguinha 120 anos pelo olhar da imprensa brasileira.
Pesquisa: Leonor Pelliccione Bianchi, editora da Revista do Choro.