Especial Marchinhas – “Ó abre-alas” inaugura o estilo musical


Especial Marchinhas 1 – “Ó abre-alas” inaugura o estilo musical (08’34”)

“Ó Abre Alas”, de Chiquinha Gonzaga (instrumental)

As primeiras manifestações do carnaval no Brasil colônia não passavam de mera reprodução de tradições externas: os europeus repetiam aqui as comemorações que juntavam máscaras e fantasias para liberar o espírito festeiro, dias antes das limitações e abstinências impostas pela quaresma religiosa; e os escravos africanos, quando podiam, também tocavam seus tambores nos ritmos de jongo, lundu, candombe e muitos outros.

Nas grandes cidades do Brasil do século XIX, havia também o entrudo, que era uma festa popular de origem portuguesa, sem música nem dança. A brincadeira nesses entrudos consistia em jogar água, pós, perfumes, ovos e sacos de areia uns nos outros, em total algazarra. Por volta de 1850, outra diversão carnavalesca de origem européia difundiu-se pelo país: foi o chamado “Zé Pereira”, como conta o pesquisador musical Ricardo Cravo Albim.

“Era um tipo de música muito vago. Evidentemente, havia refrões populares, havia o ´Zé Pereira´. O ´Zé Pereira´ era um baticum de latas e de tambores esparsos pelas ruas do Rio de Janeiro”.

“Zé Pereira, Zé Pereira
Zé Pereira, Zé Pereira
Viva o Zé Pereira
Viva o Zé Pereira
Viva o Zé Pereira
E viva o carnaval”

Ainda no século XIX, surgiram as grandes sociedades, que nada mais eram do que clubes carnavalescos comandados e frequentados pela elite carioca. Essa festa sofisticada, com direito a desfiles de carruagens e corsos, se popularizou também entre a classe média, na forma de cordões e ranchos carnavalescos. Um deles foi o rancho Rosa de Ouro, fundado pela maestrina Chiquinha Gonzaga. Cravo Albim revela que essa relação entre Chiquinha e o Rosa de Ouro criou um marco histórico para as músicas de carnaval: as marchinhas com letras compostas especialmente para animar os foliões.

“A Chiquinha Gonzaga abre o carnaval carioca, compondo, em 1899 para o carnaval de 1900, ´Ó abre-alas que eu quero passar / Eu sou da lira, não posso negar´. Isso tudo é uma maneira de ela dizer que ela é do carnaval, ela é da MPB, ela é das ruas do carnaval. Tudo isso é muito simbólico e muito bonito, porque, naquela altura, o que existia de organização de carnaval eram os cordões carnavalescos e os ranchos carnavalescos. Então, música específica de carnaval era basicamente a marcha de rancho”.

“Ó abre alas
Que eu quero passar
Ó abre alas
Que eu quero passar
Eu sou da Lira
E não posso negar
Rosa de Ouro
É que vai ganhar…”

O século XX chegava, então, com a novidade das marchas de carnaval: um estilo musical baseado no mesmo compasso binário das marchas militares, mas com um ritmo bem mais acelerado e uma temática irreverente. Prestem atenção na marchinha “Linda Morena”, de Lamartine Babo, lançada para o carnaval de 1933: a introdução chega a lembrar as paradas militares por causa de um andamento típico de banda marcial, com muito bumbo, caixa, prato, trompete e tuba.

“Linda morena, morena
Morena que me faz penar
A lua cheia que tanto brilha
Não brilha tanto quanto o teu olhar…”

O músico, pesquisador e produtor cultural Zuza Homem de Mello explica a técnica empregada na composição das marchinhas de carnaval.

“As marchinhas, tecnicamente, são marchas com andamento binário: um-dois, um-dois. E em diferentes andamentos: a marcha-rancho, por exemplo, tem um andamento lento, cadenciado; ao passo que a maioria das marchinhas tem um andamento mais dançante. O compasso binário não dá muitas chances de se fazer acrobacias coreográficas, de maneira que fica uma coisa mais fácil de ser acompanhado até por pessoas que não têm um bom ritmo. Isso facilita muito”.

“Nós somos as cantoras do rádio
Levamos a vida a cantar
À noite, embalamos teu sono
De manhã, nós vamos te acordar…”

As marchinhas caíram no gosto popular, sobretudo a partir das décadas de 1920 e 30, coincidindo com a chamada “era do rádio”. Grandes compositores e intérpretes brasileiros abraçaram o novo estilo musical. A cada ano, esperavam-se as novas marchinhas de Braguinha, Lamartine Babo, Ary Barroso, Haroldo Lobo, Alberto Ribeiro, Nássara, Noel Rosa e tantos outros autores, que não poupavam irreverência e picardia para fazer verdadeiras crônicas musicais.

Carmem Miranda, Marlene, Emilinha Borba, Dalva de Oliveira, Jorge Goulart e Blecaute estão entre os grandes intérpretes de marchinhas. Como todos eles estavam radicados no Rio, o paulista Zuza Homem de Mello não tem dúvidas em afirmar que, inicialmente, as marchinhas foram um fenômeno carioca.

“Pode-se dizer que as marchinhas e o carnaval, de certa maneira, adquirem força para extrapolar para os outros estados a partir do Rio de Janeiro. Os cantores habitavam o Rio de Janeiro, as marchinhas eram gravadas no Rio de Janeiro. É claro que há muita criação fora do estado do Rio, mas, de certa forma, a ideia de que a marchinha é uma criação iminentemente carioca parece ser um fato incontestável”.

“Berço do samba e das lindas canções
Que vivem n´alma da gente
És o altar dos nossos corações
Que cantam alegremente
Cidade maravilhosa
Cheia de encantos mil…”

Ao mesmo tempo, em Pernambuco, a mesma marcha de compasso binário conquistava a alma nordestina num ritmo ainda mais frenético, com destaque para os instrumentos de sopro e forte marcação contínua com caixa ou tarol.

TRILHA: “Vassourinhas” (de Matias da Rocha e Joana Ramos)

Eram os primeiros frevos, como esse que ouvimos agora, composto por Matias da Rocha e Joana Ramos para o Clube Carnavalesco Vassourinhas, verdadeiro hino instrumental do carnaval de Olinda e Recife. Posteriormente, o frevo ganhou letra de poetas como Capiba, Nelson Ferreira e irmãos Valença, nas variações ritmicas de marcha de bloco ou frevo de bloco e frevo-canção.

“E se aqui estamos cantando essa canção
Viemos defender a nossa tradição
E dizer bem alto que a injustiça dói
Nós somos madeira de lei que cupim não rói…”

E assim seguiu a era de ouro das marchas de carnaval, numa imensa profusão de composições que inundavam os bailes carnavalescos e os desfiles de rua do país.

Conteúdo produzido originalmente pela Rádio Câmara, cedido gentilmente à Revista do Choro para reprodução com citação da fonte. Narração do podcast e texto: José Carlos Oliveira

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Author: imprensabr