Leonor Bianchi
Neste 7 de dezembro, ontem, celebramos o centenário de nascimento de Heitor Avena de Castro (Rio de Janeiro, 7 de dezembro de 1919 — Brasília, 11 de julho de 1981), citarista, compositor e chorão, deixou enorme legado para o gênero.
A íntima relação de Avena de Castro com o Choro em Brasília
Avena de Castro teve relação íntima com o choro em Brasília. No final dos anos de 1960 ele frequentou as rodas de choro promovidas pelo então jornalista do senado e também cavaquinista Raimundo de Brito, que posteriormente, após seu falecimento, foram transferidas para a casa da professora da universidade de Brasília, Odette Ernest Dias, onde se encontravam os músicos que viriam a fundar o Clube do Choro de Brasília. Além disso, Avena de Castro compôs dezenas de choros, os quais foram compilados e reunidos num álbum de partituras publicado em 2016 com o livro Sábado à tarde – Avena de Castro: a cítara e o choro em Brasília, da pesquisadora Beth Ernest Dias. Na época do lançamento do livro, a autora fez contato com a Revista do Choro de forma muito gentil e enviou dois exemplares do livro para a redação. Ela demonstrou enorme valor à revista tendo assinado a publicação e depois, num outro momento, renovado a assinatura. Este artigo tem como referência este material.
Avena de Castro começou a compor ainda nos anos de 1940, mas foi apenas no final dos anos de 1960 que ele começaria a compor choros, quando passou a frequentar as reuniões dos Sábados à tarde, no apartamento do jornalista do senado e também cavaquinista Raimundo de Brito.
Ao bandolinista Jacob do Bandolim, seu amigo, Avena escreveu numa carta em janeiro de 1968: “temos feito alguns corinhos para divertir a turma porque há sempre uma satisfação extra quando surge um choro novo”.
Ainda que tocasse cítara, um instrumento tido por alguns como não familiar ao choro,Avena de Castro é sim considerado um grande compositor de choro. Contrariamente ao que se possa imaginar, ele não compunha seuschoros pensando nas possibilidades da cítara.Em sua maioria, seu choros são de duas partes e chamam a atenção do intérprete e do ouvinte pela singularidade e beleza das melodias e pela inventiva e arrojada harmonia. A utilização frequente de andamentos lentos e moderados pode sugerir, num dado momento,que ele quisesse dar destaque à cítara, contudo, seus choros de andamento rápido mostram exatamente o inverso.
Quem já viu uma partitura manuscrita de Avena de Castro pode afirmar que ele era bastante meticuloso, caprichoso e fazia questão de ‘desenhar’ a música na pauta. A caneta utilizada para escrever as partituras era uma tinteiro Parker que só ele podia manipular, ninguém mais! E ele também não a utilizava para nenhum outro fim, só para escrever suas músicas. Avena fazia questão de escrever muito bem as partituras para que seus amigos pudessem ler suas músicas e tocá-las nos encontros de sábado à tarde.
Além da elegância da escrita uma outra característica nas partituras de Avena de Castro são as dedicatórias que fazia aos amigos.
Avena dedicou músicas para Pixinguinha, e para o primeiro flautista a frequentar as reuniões do sábado à tarde na casa de Raimundo de Brito, o Jorge da Fonseca, para quem compôs dois choros: Fala, Jorge, e Simplório enrolado, nesta última escreveu o seguinte no rodapé da partitura: “Mas como é chato escrever para flauta! Vige!”.
Talvez ele tenha escrito isso porque inversamente ao hábito frequente dos chorões de escrever a composição sempre numa oitava abaixo, ele tenha resolvido escrever todo o choro usando as linhas suplementares superiores.
Alguns nomes dos choros compostos por Avena mostram traços de sua personalidade, outros, de onde lhe veio a inspiração para fazer aquela música. “O barbeiro que se vira no choro” foi composto para o amigo Hamilton Costa. Os choros “Queixumes” e “Os cinco camaradas” fazem alusão a “Lamentos” e a “Cinco companheiros”, de Pixinguinha. Bem-humorado, Avena também usava trocadilhos nos nomes dos seus choros, como em “Luiz de chinelo velho” uma brincadeira com o conhecido choro “André de sapato novo”, do compositor André Vitor Correia.
Os choros compostos por Avena de Castro, em Brasília, agrupam-se naturalmente por datas em três blocos: 1968 a 1973, 1977 a 1978 e 1981. O primeiro bloco é constituído pelos choros inscritos e dedicados às pessoas envolvidas no circuito das reuniões dos sábados à tarde. Inclui-se nesse bloco o choro mais conhecido de Avena: Evocação de Jacob, inspirado segundo o próprio Avena, na maneira de Jacob do Bandolim interpretar uma melodia. Ele compôs o choro sobre forte a emoção do impacto da notícia da morte do bandolinista e grande amigo, ocorrido em 13 de agosto de 1969, e o classificou como choro-lamento. Na partitura original manuscrita, de Avena de Castro, ele escreveu a dedicatória: “Ao inesquecível amigo e incomparável chorista Jacob Bittencourt”, posteriormente modificada para: “Ao inesquecível amigo e imortal chorista Jacob Bittencourt”.
Fazem parte do segundo bloco de choros compostos por Avenavena de Castro os dedicados a pessoas que circulavam em torno da criação do Clube do Choro de Brasília, no final dos anos de 1960.
O terceiro bloco é formado por três composições. Duas delas, ambas com três partes, são dedicadas à flautista Dolores Tomé: os choros “Parto sem Dolores” e “Dolores, Tomé que é?”. A terceira é o choro “Lucíola”, escrito para a filha do grande amigo Velloso.
Avena de Castro criou duas classificações para seus choros: as séries Parlantes, e Cardio-choristica.
Da série e Parlante fazem parte Fala, Vasconca, Fala, Pernambuco, Fala, Jorge, Fala, Clarí, Fala Volencélio, e Fala baixo, contínuo.
A série Cardio–choristica feita como uma brincadeira e homenagem ao doutor Luciano Vieira, cardiologista que havia cuidado dele e de Jacob do Bandolim é formada pelos choros Coração de poeta, e pela trilogia Quando fala o coração, Quando falha o coração, e Quase falha o coração, este último dedicado a ele mesmo pelo infarte que teve em abril de 1977.
São de sua autoria ainda os arranjos para todo o repertório do Regional Sinfônico, os arranjos para as marchas-rancho em parceria com Rômulo Marinho, Carnaval ontem e sempre, e Brasília linda-flor, assim como os arranjos para duas flautas nos choros Sofres porque queres, e Chorei, ambos de Pixinguinha e Benedito Lacerda.
Com o cavaquinista Waldir Azevedo, Avena gravou seu choro Sábado à tarde, e Cordas românticas composta pelos dois, no disco Nosso encontro com Waldir, de 1973. Neste mesmo LP, Waldir Azevedo gravou o choro Quando fala o coração, de Avena de Castro.
Avena também faria choros para outro grande chorão e flautista: Nicolino Cópia, o Copinha. Foi o Pro Copinha.
Para o cavaquinista e violonista Paulinho da Viola, Avena escreveu Paulinho no cavaco, outro choro. Pra divertir é o nome do choro que Avena compôs para o pianista Cristóvão Bastos.
Avenda de Castro e o Regional Sábado à tarde tiveram uma atuação importantíssima na consolidação do choro em Brasília. Além de Presidente da Ordem dos Músicos de Brasília e um dos músicos que estimulou a fundação do Clube do Choro de Brasília, integrou o projeto Pixinguinha, e recebia músicos de todo Brasil, que iam à capital federal se apresentar.
Paulinho da Viola já conhecia Avena de Castro de longa data, pois acompanhava seu pai, o violonista do Época de Ouro, Cesar Faria, aos passeios a Paquetá para as rodas de choro promovidas pelo comendador Medrado Dias.
Em depoimento à pesquisadora Beth Ernest Dias, Paulinho da Viola deu a seguinte declaração: “Ficava impressionado com aquele músico tocando pra caramba um instrumento estranho e diferente”.
Segundo nos conta a pesquisadora, ao encontrar Avena de Castro em Brasília, Paulinho manifestou a ele seu desejo de aprender um pouco de cítara, pois havia adquirido uma. Avena retribuiu escrevendo exercícios para que Paulinho pudesse praticar o instrumento. Contudo, assim como Cristóvão Bastos, o compositor também não levou adiante a empreitada de consagrar algum tempo ao estudo da cítara. Paulinho dizia que estudar um instrumento de cordas tão difícil lhe exigiria uma mudança de raciocínio muito radical para um violonista.
Avena de Castro figurou entre as personagens que fundaram o Clube do Choro de Brasília, e conviveu com os músicos que frequentaram Santo as rodas de choro no apartamento do cavaquinista e jornalista Raimundo de Brito falecido em 1975 como os músicos que frequentavam as rodas de choro que então passaram a acontecer na casa da flautista e professora da Universidade de Brasília, Odette Ernest Dias.
Nessas rodas eram comuns as presenças de músicos jovens, como, por exemplo, o violonista José de Alencar Soares, hoje já falecido, mas que seria o famoso Alencar 7 Cordas, assim como o cavaquinista Evandro Barcelos, também já falecido, e Henrique Lima dos Santos Filho, que trocou a guitarra elétrica pelo bandolim e hoje é conhecido como o Reco do Bandolim.
Em depoimento à pesquisadora Beth Ernest Dias, Reco dá o seguinte depoimento: “Eu via o Avena tocando cítara com aquela postura bem ereta, como uma figura dos anos de 1940, uma cena de filme. No começo, como eu não conhecia o instrumento, eu pensava: mas o que é que ele vai fazer? Música indiana aqui? O que é que vai acontecer? Ele tocava com muita alma, dentro da música, com todo sentimento, musicalidade… Os vibratos que ele fazia, que ele transmitia de tal maneira com aquele dedo… o corpo dele mexia. Aquilo balançava a gente, as pessoas que estivessem atentas ouvindo e vendo-o tocar. Era um espetáculo à parte você ver e ouvir aquele instrumento no colo, uma coisa completamente “sui generis”.
A pesquisadora Beth Ernest Dias reuniu os choros compostos por Avena de Castro e os publicou em um álbum de partituras, em 2016, através de um edital de apoio à Cultura e apoio da Secretaria de Cultura de Brasília. O álbum foi publicado como parte complementar ao livro “Sábado à tarde – Avena de Castro, a cítara e o choro em Brasília.
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