Benedicto Lacerda – o flautista de ouro – um gênio na orfandade 1


Por Rúben Pereira

A seção Biblioteca do Choro desta edição traz o livro recém-lançado ‘Benedicto Lacerda – o flautista de ouro – um gênio na orfandade’, de Sidney Castello Branco, editado pela Global Choro Music. Trata-se de um compêndio da vida e da diversa atuação de Benedicto Lacerda desde a tenra idade em Macaé, até sua consagração e glória nos anos 30, 40 e 50 com seu regional sendo o mais aclamado conjunto musical da era de ouro da música brasileira.

No livro, o autor apresenta a personalidade do músico que fora um dos mais atuantes de sua geração. Em sua narrativa, revela o instrumentista que inseriu a flauta no samba, tomou parte do grupo seminal do Estácio (RJ), fundou os concursos de escolas de samba do Rio de Janeiro, compôs os maiores sucessos e muitos sambas, choros e marchas campeãs em concursos na então capital federal Rio de Janeiro.

O livro disseca um Benedicto Lacerda líder do mais qualificado conjunto regional do rádio brasileiro; conjunto este insuperável até os dias de hoje. Benedicto, para muito além de músico atuante e versátil, foi um dos grandes batalhadores pela organização e dignificação do direito autoral para música popular no Brasil. Em seu livro, o autor mostra a atuação de Benedicto como diretor de pequenos direitos da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (ASBAT), diretor da União Brasileira de Compositores (UBC) e fundador e presidente da Sociedade Brasileira de Arranjadores, compositores e músicos (SBACEM).

O livro narra de forma íntima e inédita toda a saga que foi a virada na vida que Benedicto Lacerda deu, desde sua saída da pequena Macaé, em 1913, com sua mãe e irmã e depois a luta no bairro do Estácio e suas primeiras incursões no mundo da música.

Sidney Castello Branco é casado com uma das netas de Benedicto Lacerda, logo teve acesso irrestrito ao baú da família e apresenta no livro um bom número de fotos inéditas para grande maioria do público, além de narrar diversas passagens da vida de Benedicto colocando pontos nos ‘is’ e corrigindo datas e casos inverídicos.

Esta é a segunda biografia lançada sobre Benedicto Lacerda: a primeira, escrita por Jadir Zanardi, foi lançada em 2009 e contou com alguns depoimentos cruciais do filho de Benedicto Oduvaldo Lacerda. Este livro, ‘O flautista de ouro’ aprofunda mais as questões polêmicas envolvendo o nome do músico, como os direitos autorais de determinadas músicas, a parceria com Pixinguinha e sua saída do Regional, passando o bastão para Canhoto. O autor utiliza vasto material de arquivo, como jornais e revista, fotos de arquivos da família, documentos e significativa pesquisa na coleção de jornais da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

O primeiro capítulo do livro apresenta uma transcrição do livro ‘Alguns’ do cineasta e ensaísta Julio Bressane em que confidencia toda sua paixão pela arte de Lacerda.

Após discorrer sobre como foi o nascimento de Benedicto em 14 de março de 1903 em Macaé com sua ‘mãe solteira’ e a ida para o Rio de Janeiro recém-remodelado por Pereira passos, o livro revela para o mundo a possível identidade do desconhecido pai de Benedicto Lacerda. A partir dai uma série de eventos da vida de Benedicto Lacerda é contada cronologicamente, como sua experiência como comerciário no Estácio, o alistamento militar voluntário, o casamento com Dona Ondina, a criação do grupo ‘Original-Choro’, a atuação nos cinemas cariocas (tocava no cinema mudo), a fundação do grupo ‘Gente do Morro’ e o Regional de Benedicto Lacerda, o primeiro concurso de samba da cidade do Rio de Janeiro, as composições laureadas, a criação do choro Dinorah, a presença na Festa da Penha, no Café Nice, e o tempo de morador da Vila Rui Barbosa, na Lapa. O livro passeia, ainda, por acontecimentos como o concurso do jornal A Noite, no qual Benedicto sagrou-se campeão duas vezes ganhando duas flautas de prata, a ida para o Golden Room do Copacabana Palace, a descoberta e divulgação do choro Tico-Tico no Fubá no mundo, os sucessos de Carnaval, a parceria com Pixinguinha e toda informação possível sobre como se deu esta relação tão discutida e pouco documentada e que no livro é vista a partir de dados concretos. O livro chama atenção para a contribuição de Benedicto Lacerda ás festas juninas, com o estrondoso sucesso da marcha ‘Antônio, Pedro e João’, ao teatro de burleta e ao cinema. Em relação ao cinema o autor relaciona 21 filmes que tiveram participação de Benedicto Lacerda e traz a informação inédita de que Benedicto foi o primeiro brasileiro a concorrer ao Oscar de Melhor Trilha Sonora da Academia Internacional de Cinema com a trilha sonora composta para o filme ‘The Three Caballeros’, película produzida por Walt Disney e dirigida por Normam Ferguson, Jack Kinney, Bell Roberts e Clyde Geronimi. Outros dois fatos marcantes na vida artística de Benedicto Lacerda e que são mencionados no livro são: a criação do hino da aviação de caça da Força Aérea Brasileira, durante a Segunda Guerra Mundial e sua participação e atuação na primeira experiência televisiva no Brasil, durante a primeira exposição da televisão organizada no governo Getúlio Vargas.

A história de Benedicto Lacerda foi muito rica e o autor soube captar como ela aconteceu deforma crescente. Ao final do livro, o autor enumera diversos artistas que Benedicto ajudou a lançar no meio musical. Entre os vários nomes, destacamos: Jacob do Bandolim, Moreira da Silva, Nelson Gonçalves, Ademilde Fonseca Raul de Barros e Altamiro Carrilho dentre muitos outros.

A presença e atuação de Benedicto Lacerda no ambiente de rádio é minuciosamente narrada no livro. Os sucessos cantados para o morro da Mangueira, o convite para ir para os EUA, o sucesso internacional de suas composições, o avião comprado com Herivelto Martins e a enorme luta pelas associações, sindicatos e sociedades em nome do autor de música popular.

Sua saída do Regional, em 1951, e sua relação com os presidentes da República (Getúlio Vargas, Café Filho e Juscelino Kubitschek) e finda com a batalha contra a doença que o vitimou em 16 de fevereiro de 1958.

Finalizando, o livro apresenta também a musicografia e discografia de Benedicto como músico acompanhante. Mesmo sabendo da dificuldade de tal empreitada, pois Benedicto como já dissemos foi um dos mais atuantes das história fonográfica do Brasil.

É uma obra das mais ricas dedicadas ao gênio Benedicto Lacerda. Um livro obrigatório para todos que estudam a música popular brasileira e, principalmente, do choro, do samba, da flauta e nossa música popular na era de ouro do rádio.

Benedicto Lacerda é um nome que ainda está para ser descoberto pelo grande público e os grandes aficionados em música popular. Um nome essencial e uma das histórias e prolíficas de nossa música. Benedicto Lacerda ainda há de ter seu verdadeiro posto revelado: o de maioral e figura-chave naqueles anos dourados da nossa música.

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Author: imprensabr


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